A divergência nos resultados de análises laboratoriais de sementes, especialmente na região do Cerrado, acendeu um sinal de alerta no setor sementeiro brasileiro. Produtores, consultores e instituições passaram a questionar a confiabilidade dos laudos emitidos, gerando insegurança tanto para quem produz, comercializa e adquire sementes.
Diante desse cenário, a Associação dos Produtores de Sementes do Mato Grosso (Aprosmat) promoveu recentemente um workshop técnico, reunindo representantes de 47 laboratórios do Cerrado, de estados como Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Piauí, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. A consultora Maria de Fátima Zorato conduziu a programação, com foco na padronização de metodologias e no fortalecimento das responsabilidades técnicas dentro dos laboratórios.
“Foi um movimento necessário e urgente. Estava instalada uma verdadeira desordem nas análises laboratoriais, com metodologias diferentes sendo aplicadas e resultados incompatíveis para uma mesma amostra”, resumiu Fátima. “Isso gera indignação, porque estamos lidando com um produto biológico que exige precisão e responsabilidade técnica. E essa desconexão vinha causando desgaste e insegurança na cadeia.”
Durante o evento, os participantes responderam a um questionário que mostrou o problema: aplicações de metodologias diferentes, interpretações variadas da legislação e falhas nos processos internos estavam no centro das inconsistências. “Foi um choque de realidade. Ninguém precisou dizer nada, os próprios laboratórios se deram conta da despadronização”, conta a consultora.
A iniciativa não se resume a um evento pontual. Segundo Fátima, trata-se de um projeto contínuo de melhoria. O objetivo é alinhar protocolos, treinar profissionais, revisar metodologias e garantir que a nova Regra para Análise de Sementes (RAS), seja amplamente compreendida e aplicada. Um novo treinamento com foco específico na RAS já está agendado para julho, em Cuiabá, com a presença da especialista Myriam Alvisi, Consultora em análise de sementes e responsável por acreditar laboratórios brasileiros na International Seed Testing Association (ISTA).
“A partir da nova RAS, vamos construir um novo ciclo. Muitos deixaram de seguir a regra porque ela estava desatualizada. E aí virou telefone sem fio: cada um fazendo de um jeito, orientado por grupos informais de WhatsApp ou achismos. Isso não é aceitável. Estamos lidando com milhões em sementes, com a reputação de empresas e a segurança do agricultor”, afirma Fátima.
O projeto envolve diferentes frentes. Além do alinhamento técnico, haverá foco na valorização do Responsável Técnico (RT), que segundo Fátima está sobrecarregado e, muitas vezes, ausente do processo decisório. “O RT precisa liderar a equipe, acompanhar os analistas e garantir a qualidade dos resultados. Mas hoje muitos laboratórios estão sendo conduzidos pelos próprios analistas, sem orientação adequada. Isso é gravíssimo.”
Outro ponto crítico, segundo a consultora, é a qualidade dos treinamentos oferecidos no país. “Tem muito curso raso, muita informação distorcida e até parece que trabalham com sementes 'reborn', que não representam a realidade de uma semente verdadeira. Isso compromete a formação dos profissionais.”
A incorporação de inovações tecnológicas é outro caminho apontado para o futuro. Fátima citou como exemplo laboratórios que já utilizam robôs como o FENOSYNC, capaz de realizar contagens em canteiros com extrema precisão. “Ainda estamos caminhando lentamente em tecnologia, mas já temos exemplos de analistas de alta performance trabalhando com validação por imagem. Precisamos perder o medo da máquina. Ela veio para somar, não para substituir.”
Fátima também destaca a importância de ações de melhorias em qualidade de sementes semelhantes que vêm sendo desenvolvidas em outros estados, como o Projeto ELEVA, desenvolvido pela Associação dos Produtores de. Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul (Apassul), que há três anos promove avaliações independentes de amostras de sementes e teste interlaboratorial entre laboratórios. Ela é curadora da iniciativa e acredita que esse modelo deve ser replicado em outros estados. “O ELEVA mostra que é possível melhorar com ações concretas. O segredo é trabalhar por demanda, identificar os gargalos e atuar diretamente com especialistas”, complementa.
Por fim, a consultora reforça que o caminho para a transformação está aberto — e não admite mais retrocessos. “Estamos avançando, e não há mais volta. Quem estiver comprometido com a mudança é quem vai sobreviver. Os que ficarem de fora ficarão à deriva. O produtor precisa entender que não basta apenas produzir e analisar; é preciso também cobrar qualidade no trabalho, promover capacitação e exigir ética. Estamos mexendo com um elo crucial da cadeia produtiva, que merece respeito e precisão. E isso só vem com responsabilidade técnica, metodologia correta e treinamento de verdade”, afirmou.